Como os clubes de futebol do Brasil com problema histórico de endividamento utilizam a Lei da SAF como meio de reestruturação e atração de investidores

setembro 26, 2022

 

Os clubes de futebol do Brasil têm um problema histórico de endividamento. Segundo dados levantados pela Ernst & Young (E&Y), que considerou os principais 25 (vinte e cinco) clubes nacionais, a dívida atingiu o montante global de R$ 10 bilhões em 2021.

Há anos os clubes procuram meios para amortizar as dívidas, como as diversas renegociações de débitos fiscais via PROFUT, porém, sem sucesso duradouro. Basta constatar que a dívida global, ainda de acordo com E&Y, era de R$ 4,86 bilhões em 2021. Um aumento de quase 100% (cem por cento) na última década.

Com clubes endividados na casa das centenas de milhões de reais, seria necessária uma profunda reforma no modo em que os clubes são conduzidos. Apenas assim investidores poderiam ser atraídos com a perspectiva de fazer parte de um negócio que, mesmo carente de modelos de gestão mais sustentáveis, faturou cerca de R$ 6,9 bilhões em 2021, segundo dados da Sports Value.

A Lei nº 14.913/2021, conhecida como Lei da SAF, foi elaborada com o intuito de dar mais segurança jurídica a potenciais investidores do futebol brasileiro, criando mecanismos que dão maiores garantias não só ao investidor, mas também às agremiações. A transformação do modelo associativo para o modelo de Sociedade Anônima do Futebol, contudo, é apenas uma forma das reestruturações possíveis. Existem muitas outras que já estão sendo exploradas pelos clubes.

No contexto dos clubes com relevância nacional, em todos os casos de transformação em SAF houve a utilização combinada de outros meios previstos na legislação brasileira para dar efetividade e viabilidade ao novo modelo empresarial. Os principais mecanismos legais são o Regime Concentrado de Execuções (RCE) e a Recuperação Judicial ou Extrajudicial.

            O RCE, previsto no art. 14 da Lei da SAF, consiste na concentração das execuções em um único juízo, o qual também centralizará os valores destinados à associação por força do art. 10 da mesma lei – o percentual mínimo obrigatório de receita e dividendos a ser transferido da SAF à associação para quitação de dívidas pré-existentes.

A Recuperação Judicial (ou Extrajudicial) é um procedimento, de iniciativa do devedor, que tem como escopo viabilizar a superação de crise circunstancial da pessoa jurídica. Por meio de uma renegociação com seus credores, consubstanciada na forma do plano de recuperação judicial, o devedor estabelece condições de pagamento que o permitem continuar operacional.

Inclusive, a Lei da SAF fulminou uma antiga polêmica ao expressamente autorizar o clube-associação a requerer a Recuperação Judicial/Extrajudicial sem a necessidade de constituir sociedade empresária, nos termos dos artigos 13 e 25 da Lei nº 14.913/2021.

Em ambos os casos, o objetivo é simples: reduzir as dívidas da associação para viabilizar uma futura SAF ou impulsionar uma SAF já existente – neste último caso, os cofres da SAF são mais rapidamente desonerados da obrigação legal do art. 10 de destinar 20% de sua receita para amortizar débitos deixados na associação.

Botafogo, Vasco, Fluminense e Corinthians, por exemplo, já requereram aos respectivos Tribunais de Justiça a implementação do RCE e obtiveram êxito no seu processamento. Já Cruzeiro, Coritiba e Chapecoense pediram Recuperação Judicial, enquanto o Figueirense optou pelo procedimento da Recuperação Extrajudicial.

Dos clubes citados acima, Botafogo, Cruzeiro e Vasco estão em tratativas avançadas (ou concluídas) de transformação em SAF. Os demais possuem entendimentos preliminares – ou nem mesmo isso – e estão realizando atos preparatórios de reestruturação de dívidas para auxiliar nas negociações com investidores interessados na SAF.

Sendo bem-sucedidos nesse objetivo, esses clubes terão um produto muito mais atrativo para apresentar aos investidores, o que, consequentemente, aumentará o valor de mercado do clube e dará uma posição negocial muito mais vantajosa nas tratativas com os investidores.

Dessa forma, cria-se uma relação de complementariedade: a SAF é um indicativo aos credores da viabilidade do clube (pela perspectiva de investimentos relevantes e pela profissionalização da gestão). Já o RCE, ou a Recuperação Judicial/Extrajudicial, acenam aos potenciais investidores que eventuais aportes num clube minimamente organizado e com previsibilidade orçamentária podem gerar ganhos significativos para todos.

Abrir bate-papo
Olá
Como podemos ajudá-lo?